sexta-feira, 2 de março de 2012

Tinta Vermelha

Eu sonho com o dia em que serei livre.

No sentido literal da palavra mesmo. Sem idealizações. Sem conceitos prévios. Sem suposições. Eu sonho com uma liberdade tal, que transpasse essas barreiras póstumas de moralismo.

Eu anseio me considerar livre – Antes de qualquer outra pessoa. Não quero me julgar primeiramente, para que assim o eu do outro também não me julgue. Quero ser mulher. Minha dona. Eu preciso desse estigma gráfico, pseudoacentuado de cólera e altruísmo para me literar como sã. De mente, corpo (principalmente corpo), e alma. Me devoraria se acaso ninguém percebesse. Pois esta tal liberdade, consequente, reticente, perpetuada e assistida, continuaria, mesmo sem mim a falar dela.

Concluo, não há liberdade sem o mundo. Não pode existir. E o que é o mundo? Ah, é o conceito, o nome, o significado da palavra. Dela mesma dentro de toda sua amplitude. Então, como me desvirtuar dos vícios do mundo, se eu sou o mundo e não posso simples e puramente me abster de mim?

Você, que é mulher e julga e teme ser julgada pelo mundo assim como eu que, como você, também sou o mundo. Será que você, menina, irmã, mãe, amante, também compreende a amplitude e significância do que proponho aqui?

Hoje me disseram que meu “cabelo vermelho” me fecharia muitas portas. Estética.

Hoje me disseram que causei espanto e decepção por não agir dentro de uma estima pura a meu respeito. Ilusão.

Entende? Eu sou transparente. Deixo a luz do mundo refletir a tinta escarlate em cada um dos fios que me cobrem a cabeça. Mas sou transpassada por vozes não menos insignificantes que ecoam de uma câmara vazia, fria e sem vida, admoestada pelos flagelos dessa previsão continuada que é o mundo e o que ele prega ser ou não convencional. Conveniente. Reticente. Apenas.

Neste ponto, minha fala se desfragmenta. Eu temo o mundo e não sou temida. Ser igual, ser diferente. Ser natural, ser anormal. Produzir, reproduzir. Aprovar, reprovar. Transparecer. Ora, e se eu disser: “– Não me escondi!”?

A tinta que me colore a cabeça não precisa de estigma. Ela é pura e simplesmente minha a partir do momento em que pertenceu a mim. E como tal, a tinta vermelha sou eu também. E eu sou a tinta. Seja escarlate, verde ou roxa. Sou eu nela e ela em mim.

Não tenho rugas torneando os olhos. Os números da minha conta bancária remetem à inexperiência. Mas perceba, eu sei exatamente o que eu sou. Eu sou o mundo. E um fio de cabelo é só um fio de cabelo. E muito obrigada por se importar (ou não) com ele(s).  

domingo, 29 de maio de 2011

Mãe

O que há de errado em se assumir a imundície humana?
Quando nos disseram o que somos
Esqueceram de assentir o nosso caos

Caos.

Eu cansei de buscar respostas
Agora sou um andarilho questionando o mundo
Uma semente sem chão, um grão de vida ao vento – Talvez.

Mãe, você pode me ouvir?

Simplesmente dizer “cresci” soa menos infantil para você que estúpido para mim?
Eu sou o caos. Eu sou a dor do teu parto.
Eu sou aquilo que de ti saiu.

Ora engolfado no mundo,
Ora revolto em suas próprias ondas.
Mãe, eu sou a dor em suas veredas.

Hoje deixo aqui o meu brado infantil, ocre e ingênuo.
Permito a mim continuar.
Mesmo olhando para trás e só vendo dores travestidas
Sonhos encobertos e palavras nunca ditas.

Me perdoe, uma vez mais – mãe – pelo pecado de pensar.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Flor



Minha demora com a vida é algo intransigente
Sou parca, semelhante à nudeza da flor
Complacente e recolhida

Contudo, me faço toda a dor de um momento ou outro
Quando julgo necessária a contemplação

Tenho espinhos.
E eles ferem – quase sempre sem querer
Um ou outro pássaro que me beije

Preciso de luz como qualquer outra
Mas é na escuridão que se esconde o meu fascínio

Minhas pétalas pequenas
Transmitem como podem
A imagem do que sou

Mas há dentro de mim algo bem mais precioso
Não o corpo, não o ouro, não –  Chamo alma – meu mais perfumado tesouro.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Labirinto

E se a vida for um labirinto suntuoso e suas paredes tiverem ouvidos, e olhos, e mãos, e corpos maciços e ornados de caos? E se o mundo for apenas um sussurro? Como faço então, para abafar o gemido que me escapa pelos dedos toda vez que me entrego à palavra, lentamente, deixando-a me guiar?

Talvez eu possa mesmo não ter resposta; fria, calma e paciente como bem a queria. O que eu tenho me abala. E me consome. E golpeia. Quase isso, um sonho, intenso de verão, onde o tumulto do vento rege a coisa toda.

Eu quero é a resposta! Porque o resto para mim, tanto faz; só me apavora. Eu. Eu. Eu. Mas que droga de solidão. Compulsiva, eletrônica, distante demais do ser transparente. E mais uma vez, me basta a palavra. Escrita, rasgada. Sendo digerida pelo mundo, assim que sai pelas mãos.

Espero que, ao menos dessa vez, não lhe caia bem essas palavras. Digira mundo. Digira.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Agnóstica

O homem que há em mim hesita em ditar-me o tom
Meus acordes são constantes de vida
Transitando como ferida na imensidão desajustada que é meu nome

Recorro ao sentido, a palavra
Tal prova de que a vida espera até o momento da perfeição
Sem forma, justa como os desígnios sacros – virtudes opostas

Desperto do sono, o homem calmamente se levanta
Sua ferocidade atenua o senso, o tempo, a prova
Fazendo do instante épico uma lacuna aberta, ferida incurável

E quanto a mim, mulher que sou
Ainda não provei a vida ou sua fome
Somente o alimento sagrado, que é aquele do espírito
Sem precisão

Entenda como quiser.
De homem e mulher há tantos soltos no mundo
Mas a unção que busco
Essa sim, é sagrada!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Deus

Penso em Deus como um ser vivente acima de todas as coisas. Ou talvez tenha sido esse o modo de ver que me encobriram na vida. Mas certa de que Ele seja um teor transparente e translúcido eu estou; sem dúvida. Aquela força dita vital que abrange o ser e o estar de qualquer coisa - Fé - talvez. Eu que não sou transparente, tenho tanta dificuldade de assimilar essa luz. Trêmula, ela me golpeia. É feroz o toque maciço em suas veredas, e sua imensidão me faz perpetuar o tormento. Incapacidade absoluta.

E o pecado que é para mim bem menos que o estado do homem, que tanto se assimila a capacidade de transcender força, canção... O homem, esse tal ser também transparente que se reinventa e perpetua tão facilmente! O homem das feridas, todas tão capazes, e avassaladoras. E se reinventa e tanto aparenta com esse Deus.

Meu texto neste instante se desfragmenta. É que, minha razão hoje, por falta do que sentir, está abalada. E a caligrafia arrastada é apenas voz de ligação entre a corrente ingênua que paira como névoa branda, envolvendo meu pesar.

Justo hoje, que parei para pensar no pecado e seu Deus. Logo hoje que proclamei minha verdade insana e à parte dessa crença que confunde e abala. Justo hoje. Mas que confusão!

domingo, 28 de novembro de 2010

Alma

Enquanto a noite espreitava meu ser
O céu condizia atento ao meu clarão e meu suspiro
Meu corpo se desfalecia a cada palavra
E o arrepio que se findava em mim
Transpunha a imensidão da madrugada

A voz era o sopro
E o sopro me fazia canção o querer e o estar daquela hora
E se eu fosse aquela voz
Eu pairava sobre mim
Como ponto de partida sem chegada

Como água furtiva
Ou sal, essência e vontade – melodia
Alma. Calma. Alma.